Alessandro Vieira declara voto contra indicação de Dino ao STF

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Confira a íntegra do discurso do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) durante sabatina do indicado na Comissão de Constituição e Justiça, em reunião realizada nesta quarta-feira, 13:

A honrosa indicação para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal consiste em ato administrativo complexo, exigindo a atuação do Executivo, com a indicação propriamente dita, e do Legislativo, com a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e posterior aprovação por maioria absoluta no plenário da Casa.

Este tortuoso roteiro não foi aleatoriamente imposto pelo legislador constitucional, como uma mera formalidade burocrática, mas sim representa efetiva e necessária homenagem à relevância ímpar do cargo disputado. Um ministro da Suprema Corte, em qualquer lugar do mundo e especialmente no nosso Brasil, concentra uma enorme parcela dos poderes da República, condição que tem se elevado recentemente a extremos impensáveis para o constitucionalismo tradicional brasileiro.

Infelizmente o rigor desejável do rito tem sido progressiva e inapelavelmente abandonado em benefício de uma enfadonha romaria de autoelogios e mesuras, eventualmente entremeada por isolados questionamentos consistentes, de hábito sequer respondidos pelo sabatinado, protegido pela deformação do rito.

Essa deformação chega ao seu extremo hoje, com a inédita sabatina simultânea de 2 indicados para cargos de imensurável estatura na República, quais sejam os de Procurador Geral da República e de Ministro do Supremo Tribunal Federal. É um desrespeito extremo para com os pares senadores e senadoras, para com os indicados, homens com uma trajetória profissional robusta e elogiável e que por óbvio dispensam estratégias processuais extravagantes, mas acima de tudo é um completo desrespeito para com a sociedade brasileira, destinatária final de tudo de bom e ruim que logramos fazer nesta casa.

É preciso repelir, com todas as forças, essa crescente naturalização de absurdos cotidianos no Brasil. Isso vale para a violência urbana, onde idosos espancados em via pública na zona nobre do Rio de Janeiro não geram mais que 15 minutos de indignação, vale para a tolerância indecente com a corrupção que perverte a sociedade brasileira. São Investigados, processados, condenados, julgadores, autoridades políticas, por vezes juntos numa ciranda pornográfica de rachadinhas, desvios, anulação de provas e compadrios. Mas no caso presente a naturalização que precisa ser combatida é a naturalização da atuação política da alta magistratura. A naturalização do STF como uma corte política. E obviamente não me refiro à política com P maiúsculo, aquela tão importante, voltada para o interesse público. Estou falando da politicagem, que é baixa, fisiológica, oportunista e cínica.

E por consideração às referências às pretéritas indicações de políticos para o STF, me sinto na obrigação de apontar o óbvio: são outros tempos e é outra corte.

E como não sou de meias palavras, colho o exemplo, e é apenas um exemplo, qual seja a atuação do decano da corte superior, ministro Gilmar Mendes, homem dotado da mais alta capacidade intelectual, mas aparentemente carente do mínimo pudor ético. Um cidadão que não vê o menor constrangimento em juntar no mesmo festim investigados, julgadores e partes interessadas em processos em curso na corte superior. Um servidor público que se tornou milionário por obra e graça de sua atuação paralela como dublê de empresário na seara da educação, condição que a Lei Orgânica da Magistratura reprova de maneira cristalina. Uma figura que continuamente se coloca, de forma velada ou ostensiva, como parte interessada em questões que são de competência do Executivo ou do Legislativo. Que não tem pejo de usar a força do cargo de ministro para pressionar parlamentares, inclusive dessa casa, conforme seus interesses particulares ou de terceiros.

É essa atuação deformada que defendo seja dura e inexoravelmente repelida.

E então chego à análise específica da indicação e do indicado, ministro Flávio Dino.

De plano cumpre reconhecer como plenamente atendidos os requisitos constitucionais de notório saber jurídico e reputação ilibada. Seja pela laureada aprovação em dificílimo concurso público ou pelo exercício do magistério superior no curso de direito, seja pelo preparo intelectual do indicado, que se evidencia em minutos de conversa, é o indicado portador de notório saber jurídico.
Quanto à reputação ilibada, a longa trajetória ocupando cargos públicos de grande relevo e espinhoso exercício, sem ser alvo de condenações ou mesmo denúncias, embora tenha exercido tais funções sob escrutínio permanente de ferrenhos opositores políticos, serve como razoável atestado reputacional.

Todavia, há um ponto de inflexão na sua jornada que exige um olhar mais cuidadoso: o abandono da magistratura em 2006 para ingressar na política partidária. Certamente foi uma decisão difícil, cuidadosamente pensada, e tenho absoluta convicção, impulsionada pelas melhores intenções. É possível intuir que o hoje indicado compreendeu com clareza solar a absoluta incompatibilidade entre os rígidos limites impostos pela toga e o desejo de fazer mais pelo próximo, primeiro o povo maranhense e logo depois o brasileiro, incompatibilidade ainda maior em face da natureza das ações necessárias para viabilizar as mudanças sonhadas.

A escolha feita pelo indicado exige coragem e desprendimento extraordinários, merecedores das mais sinceras homenagens. E registro que para a sociedade do Maranhão e do Brasil tal decisão se mostrou acertada. O hoje indicado não se tornou apenas mais um político eleito, mas a maior liderança política de seu estado e uma das principais lideranças políticas do Brasil, não raro citado como potencial presidenciável. Na presente etapa da sua atuação política, é senador eleito com larga margem de votos e ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, provavelmente o mais vocal defensor do projeto político representado pelo presidente Lula. Dito de forma direta e inequívoca: um líder político de estatura e alcance inquestionáveis.

Esta casa e o país inteiro, de forma intensa e reiterada, reprovam o viés excessivamente político adotado cada vez mais pela Suprema Corte. É uma situação que claramente afeta o equilíbrio entre os poderes da República e gera prejuízos graves para a democracia, mesmo quando os abusos são praticados com o pretexto de defendê-la.

A indicação de uma liderança política com as características do ministro Dino, que repito, merece total respeito, reforça inexoravelmente a politização da corte, quando o desejável da sociedade é reduzir essa condição degenerada.

E também faço a ressalva objetiva de que não se trata de uma questão ideológica. É natural que o presidente eleito faça indicações alinhadas com a sua visão de mundo. O que não pode ser visto como natural é a conversão do STF em corte político-partidária, posto que configura flagrante desvio de finalidade do ato de indicação.

Não são poucos os nomes de juristas alinhados ideologicamente com presidente eleito, muitos deles cotidianamente cotados para vagas nos tribunais superiores, como Maria Paula Dallari Bucci, Carol Proner, Manuellita Hermes, Adriana Cruz, Vera Lúcia Araújo Santana e Dora Cavalcanti, o que reforça a hipótese do desvio de finalidade. E sublinho que fiz referência apenas a mulheres juristas, pois é importante lembrar que o tribunal terá deliberadamente a participação feminina reduzida, o que fragiliza a tão desejável diversidade naquele espaço de poder.

Ao abandonar a magistratura e abraçar uma bem sucedida carreira política, o indicado ministro Flávio Dino escolheu cruzar o Rubicão. Como se sabe bem, essa é uma escolha sem possibilidade retorno. Seu alcance de atuação não cabe mais nos limites da toga.

O Brasil precisa de pacificação, e ela só virá pelo respeito estrito à legalidade, o que exige, entre outras providências, o resgate do Supremo Tribunal Federal como corte constitucional, estável e politicamente neutra.

É por estas razões que ainda que o voto seja secreto, manifesto respeitosamente meu voto contrário à indicação do ministro Flávio Dino para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal.

Assista: https://www.youtube.com/watch?v=ha6NPSxr2bs

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