Imperdoável

A sociedade brasileira, e em particular as mulheres brasileiras, teve uma grande vitória — que muito em breve se tornará lei. O Senado Federal aprovou na noite de quarta-feira, 6, projeto da senadora Rose de Freitas (Podemos-ES), relatado por mim, que torna o feminicídio crime imprescritível, assim como já acontece nos casos do racismo e da ação de grupos armados contra o Estado. Ou seja, o crime pode ser julgado a qualquer tempo, independentemente da data em que foi cometido. Mais do que isso, o texto, por contribuição valiosa da senadora Simone Tebet (MDB-MS), outra guerreira na defesa dos direitos da mulher, acaba com a prescrição também no caso de estupro.


A impunidade é o maior mal desse país, e para isso colabora a prescrição de crimes dessa gravidade. Precisamos comunicar aos agressores que a violência contra a mulher, que cresce a cada ano, não é admissível e será severamente punida pela ação estatal. A lei que aprovamos, e que segue agora para a Câmara, é o atendimento a uma demanda real da sociedade. Garante que feminicídio e estupro poderão ser apurados a qualquer tempo. Não vai mais perecer o direito do Estado de punir o agressor. E o quadro é grave.


Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, o Brasil ocupa um desonroso quinto lugar na taxa de feminicídios entre 84 nações pesquisadas. O Mapa da Violência de 2015 aponta 106.093 mortes de mulheres por violência doméstica ou discriminação de gênero entre os anos 1980 e 2013. O feminicídio entrou para o Código Penal em 2015 como um qualificador do crime de homicídio, no rol dos crimes hediondos. Já existe agravante se o crime for cometido contra menores de 14 anos, maiores de 60 anos ou com deficiência. A pena também é agravada quando o crime ocorrer durante a fase de gestação ou nos três meses posteriores ao parto, e na presença de descendente ou de ascendente da vítima.
Já dados do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostram que o Brasil nunca teve tantos casos de estupro quanto em 2018, com recorde de 66.041 registros — um aumento de 5% em relação ao ano anterior. Por dia, 180 pessoas foram violentadas no país. Segundo o Anuário, 81,8% das vítimas são do sexo feminino, e 63,8% dos estupros reportados à polícia no Brasil foram cometidos contra vulneráveis. O levantamento mostra ainda que 75,9% dos agressores são conhecidos das vítimas. Do total de estupros reportados, 93,2% tiveram autoria única e 6,8% foram cometidos por mais de um abusador. Os homens são maioria (96,3%) entre os autores.


Tive contato com essa triste realidade como delegado de polícia, em Sergipe, inclusive no combate a crimes contra as mulheres. Colaboramos, entre outras coisas, na criação e consolidação do projeto do Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis do estado.


Está claro que precisamos induzir a sociedade brasileira, que hoje vive esse lamentável quadro de violência, a ter uma nova conduta. É preciso deixar de lado o machismo arraigado, trazido de gerações, garantindo às mulheres o respeito em patamares de igualdade, assegurando que seus direitos sejam preservados, estimulando condutas positivas por parte dos homens e segregando aquelas condutas que são inaceitáveis. Assim, inserir na Constituição Federal um tratamento diferenciado para esse tipo de crime tem o condão de sinalizar que não se aceita mais essa conduta e que o Estado vai fazer todo o esforço possível para evitá-la.


Essa futura nova lei é também uma homenagem à Lei Maria da Penha, um marco na legislação de combate a crimes contra as mulheres e um avanço extraordinário para o país. Ainda assim, é profundamente lamentável que tantas vidas tenham que se perder ao longo do tempo, e que tanta violência tenha sido cometida, para que o Estado brasileiro começasse a atentar para essa grave situação. No Congresso, temos aprovado, ao longo do ano, uma série de medidas que caminham no sentido de dar esse choque de civilidade. Agora, fomos mais fundo. O recado está dado. A violência contra a mulher é inadmissível. Não será perdoada, nem esquecida.

Alessandro Vieira é senador pelo Cidadania de Sergipe

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