O Plenário do Senado Federal aprovou nesta terça-feira (24) o projeto que reformula e amplia o sistema de cotas no ensino federal. O PL 5.384/2020 prevê que, entre outras mudanças, os candidatos cotistas passarão a concorrer também nas vagas gerais, e apenas se não conseguirem nota para ingresso concorrerão às vagas reservadas. Além de aprimorar a política de cotas para ingresso nos estabelecimentos federais de ensino superior ou de ensino médio técnico, o texto altera critérios socioeconômicos (que levam em conta a renda e a formação em escola pública) e insere os quilombolas entre os beneficiados pela reserva de vagas, que já inclui pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência. O texto agora segue para sanção presidencial.
Durante a votação, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) fez uma intervenção em defesa da política nacional de cotas. “Eu não tenho lugar de fala para falar sobre preconceito racial, eu nunca fui abordado em um ambiente público por conta da cor da minha pele, nunca tive nenhum tipo de restrição de acesso a qualquer ambiente, meu filhos nunca tiveram, minha esposa nunca teve. Mas aí é onde está o verdadeiro alcance da política de cotas. Nossa sociedade só vai avançar quando a gente enxergar nos espaços de poder pessoas diferentes da gente. Quando a gente passa a vivenciar no dia a dia o sofrimento que outros passam e nós nunca passamos. A política de cotas, como foi desenhada na legislação, contempla exatamente isso”, ressaltou Vieira.
O projeto, da deputada Maria do Rosário (PT-RS), foi relatado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), e foi aprovado com os votos contrários dos senadores Flávio Bolsonaro, Cleitinho (Republicanos-MG), Magno Malta (PL-ES), Eduardo Girão (Novo-CE) e Rogério Marinho (PL-RN).
“Não vale o argumento de que a pobreza não tem cor. A pobreza no Brasil tem cor, tem gênero. As vítimas de violência no Brasil têm cor, tem gênero. A evolução escolar, as dificuldades que enfrentam um jovem brasileiro, tem cor. Todos os dados e estudos sérios mostram isso. Precisamos ter a compreensão de que precisamos avançar como sociedade brasileira. Uma sociedade de maioria negra e que tem apenas um representante na Câmara Alta. Isso só vai mudar se tivermos mais gente preta ocupando todos os espaços possíveis. Pelo seu mérito, não por favor. A política de cotas não é um favor. A política de cotas é uma reparação histórica mas principalmente é uma ferramenta fundamental para que a gente possa ser um país melhor”, evidenciou Alessandro Vieira.
Reserva de vagas
O projeto altera a Lei de Cotas (Lei 12.711, de 2012), que reserva no mínimo 50% das vagas em universidades e institutos federais para pessoas que estudaram todo o ensino médio em escolas públicas. Segundo a norma, a distribuição racial das vagas ocorre dentro desse percentual, de forma que um aluno negro que estudou o ensino médio em escola particular, por exemplo, não é beneficiado.
Atualmente, metade de todas as vagas para alunos oriundos de escola pública é assegurada às famílias que ganham até 1,5 salário mínimo por pessoa. Pela proposta aprovada, a renda familiar máxima será de 1 salário mínimo (que hoje corresponde a R$ 1.320) por pessoa.
Das vagas reservadas a estudante de escola pública, o processo seletivo observará a proporção de indígenas, negros, pardos e pessoas com deficiência (PcD) da unidade da Federação, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Caso o projeto vire lei, os quilombolas também serão beneficiados.
O texto prevê uma futura metodologia para atualizar anualmente os percentuais de pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência em relação à população de cada estado em até três anos da divulgação, pelo IBGE, dos resultados do Censo.
A proporção racial deve ser mantida tanto nas vagas destinadas aos egressos do ensino público de famílias com renda máxima de um salário mínimo quanto nas vagas dos estudantes de outras faixas de renda.
O projeto aumenta as chances de ingresso dos cotistas raciais ao prever primeiramente a disputa pela ampla concorrência. Se o candidato não conseguir nota para aprovação nas vagas gerais, passará a concorrer às vagas reservadas.
A proposição também fixa avaliação do programa de cotas a cada dez anos, com a divulgação anual de relatório sobre a permanência e a conclusão dos alunos beneficiados. Os alunos optantes pela reserva de vagas que se encontrem em situação de vulnerabilidade social também serão priorizados no recebimento de auxílio estudantil.
O texto já havia sido aprovado nas Comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), sendo relatado por Paulo Paim nos dois colegiados.